A última opção [desmantelar] é a melhor a nível ambiental e económico pois, de forma segura, permite também reutilizar materiais como aço, ferro e plástico.
2019/11/28

O que acontece quando um navio chega ao seu fim de vida?

 

Quando um navio chega ao fim de vida pode ser abandonado, afundado ou desmantelado.

A última opção – a chamada shipbreaking (desmantelamento de navios) é a melhor a nível ambiental e económico pois, de forma segura, permite também reutilizar materiais como aço, ferro e plástico.

 

Onde é feito o shipbreaking / desmantelamento dos navios?

 

Desde que a legislação ambiental se tornou mais exigente nesta matéria, o shipbreaking / desmantelamento de navios – até então realizado sobretudo na Europa e Estados Unidos – passou a ser realizado em ordenamentos cuja força jurídica menos se fazia cumprir, em concreto, nesta matéria, no sudeste asiático.

Hoje, o shipbreaking / desmantelamento de navios da maioria dos mais de 1000 navios que, por ano, chegam ao seu fim de vida, são feitos em 3 praias – “beaching” – no sudeste asiático: Alang-Sosiya, na Índia, Chattogram, em Bangladesh e Gadani no Paquistão.

 

Qual o impacto do “beaching”?

 

Aproveitando as marés para limpar a praia à medida que o shipbreaking / desmantelamento de navios é feito, esta prática – “beaching” –

i. destrói e compromete o futuro da vida marítima, tendo um impacto ambiental devastador;

ii. trabalhadores, sem as devidas condições de segurança, são demasiadas vezes vítimas de acidentes de trabalho que incapacitam e matam, além de expostos constantemente a matérias tóxicas (chumbo, mercúrio, PCBs, TBTs) – segundo a OIT, o desmantelamento é das actividades mais perigosas, com níveis altíssimos de morte, lesões e doenças;

ii. as comunidades locais que dependem dos ecossistemas afectados sofrem repercussões a nível económico, ambiental e na sua própria saúde.

 

Como chegam os navios às praias?

 

Poucas são as empresas que cumprem e utilizam as instalações certificadas para o shipbreaking / desmantelamento de navios. A prática de vender os navios a intermediários que, depois, os levam aos destinos/praias finais é recorrente e mais proveitosa para todos os players– menos custos, menos responsabilidades, menos riscos. A utilização de bandeiras de ordenamentos que menos controlo exercem nestas matérias acaba por ser outro recurso.

Por exemplo, um navio proveniente da Alemanha pode ser vendido na Indonésia com a justificação que será utilizado na Micronésia e, a milhas tantas, dirige-se para uma das praias para ser desmantelado.

Há, portanto, uma grande dificuldade de controlo do cumprimento das normas efectivamente em vigor e consequente responsabilização dos Estados de onde os navios partem.

 

Bases legais:

 

i. a Convenção de Basileia, de 1989, (Basel Convention) (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/LSU/?uri=celex:21993A0216(02)e (http://www.basel.int) visou evitar que países ditos em desenvolvimento se tornassem destinos-lixeiras dos países ditos desenvolvidos, prevendo um consentimento prévio, pelos países destino, em receber os navios para desmantelamento. A Convenção determinou, ainda, que os navios em fim de vida seriam considerados resíduos perigosos com componentes tóxicos.

ii. a Ban Amendment (alteração à Convenção de Basileia) surge como uma decisão da COP de 1994 e focou-se em deixar de exportar resíduos perigosos de países da OCDE para países não-membros da OCDE, procurando reforçar e exponenciar a protecção que a Convenção estatuía;

iii. a UE, parte na Convenção de Basileia, transpôs para o seu ordenamento jurídico estas bases na forma do Regulamento (UE) 1013/2006 relativo à reciclagem de navios;

iv. entretanto, a Organização Internacional Marítima (http://www.imo.org/en/Pages/Default.aspx) promoveu a Convenção de Hong Kong (http://www.imo.org/en/About/Conventions/ListOfConventions/Pages/The-Hong-Kong-International-Convention-for-the-Safe-and-Environmentally-Sound-Recycling-of-Ships.aspx) que apresenta requerimentos menos rigorosos – não proíbe a prática de “beaching”, não define requisitos de gestão dos resíduos perigosos e, sobretudo, faz depender o processo da jurisdição relacionada com a bandeira que o navio apresenta.
Por isto, a mudança de bandeiras ao longo do percurso do navio até chegar ao destino final traduz-se num empobrecimento do valor, rigor e cumprimento das respectivas normas. Saiba mais aqui (https://www.shipbreakingplatform.org/wp-content/uploads/2018/11/CIEL-on-Basel-IMO-compairson.pdf )

Recordando o exemplo acima referido, um navio proveniente da Alemanha pode ser vendido na Indonésia com a justificação que será utilizado na Micronésia e, a milhas tantas, com a bandeira da Indonésia, dirige-se para uma das praias para ser desmantelado. Se a bandeira da Alemanha fosse com o navio até ao fim, a responsabilidade seria também levada até ao fim.

v. apesar de a Convenção de Hong Kong ser menos rigorosa quanto aos requisitos e responsabilidades de cada Estado interveniente – tanto de onde parte o navio como onde chega o navio para ser desmantelado – foram algumas normas incorporadas pela UE na sua legislação através do Regulamento 1257/2013

versão simplificada: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=LEGISSUM:2004_3&qid=1574883326099&from=EN

versão completa: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32013R1257&from=PT

vi. ainda assim, este Regulamento 1257/2013 é mais rigoroso que a Convenção de Hong Kong pois proíbe a prática de “beaching” e prevê melhores condições para os trabalhadores, sendo, também, mais exigente relativamente aos requisitos dos locais e instalações onde os desmantelamentos ocorrem. O grande problema, contudo, é que este Regulamento deixou de considerar que os navios constituíam resíduos perigosos – este ponto vai contra o previamente estabelecido tanto na Convenção de Basileia como na sua alteração de 1994 (Ban Amendment), parecendo, assim, ser uma clara violação de normas já estabelecidas.

 

Em suma:

A Convenção de Hong Kong não entrou, ainda, em vigor – apesar de adoptada em 2009, só entrará em vigor 24 meses depois de 15 Estados ratificarem e que representem 40% da frota mercantil mundial em tonelagem. Até hoje, só 13 países ratificaram.

A Ban Amendement, no entanto, entrará em vigor próximo dia 5 de Dezembro.

Portanto, foram absorvidas na legislação europeia, via Regulamento 1257/2013, normas que a OIM promoveu, através da Convenção de Hong Kong mas que há 10 anos que não entrou ainda em vigor e que vão colidir com a Ban Amendment que entrará – esta sim – em vigor dia 5 de Dezembro e que diz respeito à Convenção de Basileia que é a única fonte de direito internacional em vigor na matéria.

Quid Jurisı?
Temos de perguntar.

 

E Portugal?

 

Temos, também, de perguntar o motivo pelo qual Portugal, com quase 2 mil quilómetros de costa no continente e arquipélagos, não está no mapa como forte ponto de desmantelamento de navios, podendo fazer jus à sua natureza e história de país de mar, criando emprego, tornando-se útil nesta indústria.

Mais: Portugal entrou esta semana na segunda fase do processo de infracção de não implementação de legislação europeia sobre reciclagem de navios, ou seja, a Comissão Europeia deu 2 meses a Portugal para que cumpra a legislação em vigor. É facto que estes atrasos são habituais em toda a UE mas, aqui e hoje, tendo em conta o quadro geral, é especialmente frustrante.

A Shipbreaking Platform e a BAN são entidades activistas neste âmbito, fundamentais ao pegar num pesado e teimoso leme em marés de fortes interesses. Sugerimos leituras mais aprofundadas nos respectivos sites.

 

 

Algumas fontes principais:

NGO Shipbreaking Platform https://www.shipbreakingplatform.org
BAN https://www.ban.org/green-ship-recycling
Care Ratings https://www.careratings.com/upload/NewsFiles/Studies/Ship%20Breaking%20Industry.pdf
Basel: http://www.basel.int/Implementation/LegalMatters/BanAmendment/Overview/tabid/1484/Default.aspx
Marine Insight: https://www.marineinsight.com/environment/10-largest-ship-graveyards-in-the-world/

 

Alguns vídeos

Final Destination: https://www.youtube.com/watch?v=XDiuqcx-vpI
Chittagong: https://www.youtube.com/watch?v=5waCscf2a00
Alang-Sosiya: https://www.youtube.com/watch?v=5jdEG_ACXLw
Gadani: https://www.youtube.com/watch?v=MHzhMAInv2Q
Aliaga: https://www.youtube.com/watch?v=z5XQDtvagHw
National Geographic: https://www.youtube.com/watch?v=WOmtFN1bfZ8

 

Rita Duarte | [email protected]

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